8.10.09

A VIA LÁCTEA AO FUNDO



Agora sei que não virás porque não mais te interessa o nosso refúgio no meio da tarde que pouco te importam os suspiros embevecidos de tua não presença a crença no teu amor desvaneceu desceu a noite negra rasgou o ar o açoite da dúvida a angústia nublou-me os olhos e os folhos caducos caindo das árvores varridos pelos ventos outonais viraram páginas inúteis na paisagem desolada assolada pela desatenção da ausência de teu vulto oculto no anoitecer tecido de ânsia esfarrapada em rosas despetaladas por a muito esquecidas nos pátios baldios bordados em cristais multifacetados cortantes como facão de facção armada e em pé de guerra como a terra jogada simbolicamente sobre o caixão a pá de cal que encerra as cerimonias sem mais adendos ou remendos aos restos de uma relação já tão pisoteada quanto um capacho onde nem mais cachorro vadio vai dormir suas pulgas às madrugadas vazias de afago nem um trago tragaria a dor ou traria nova cor ao rosto desfeito no leito banido ao deserto assolado pôr sua sede tórrida trazendo no sibilante siroco ecos da falta do teu corpo amado esparramado pôr inteiro nos azuis estrelados tecidos lençóis de linho e lanhos não riscando minhas carnes de tuas unhas loucas em advertências claras abruptas dos rompantes sem atenuantes raspando aplainando o caminho preparando tua vinda tua ida tua chegada ao gozo gargalhando depois em razão confessa da brutalidade do ato que lhe queimava as faces fremindo flâmulas em convulsões de agonia e prazer arrancando de mim arranjos novos tal navio desgovernado sobre ondas de maremoto em remotos mares orientais arrastado pelos costados onde embarcado marinheiro desorientado sou assaltado pôr frêmitos eruptivos ativo vagando vagas vazando vertendo em transe troando tremulo tombando sobre soçobrando abrandando bradando meu amor margeando amargas lembranças na quase ânsia de chorar chamando teu nome nos escombros do meu drama de bêbado de tragédia e cai o pano de um ato findo atirada do revólver a bala imaginária que mata o marginal segredo que mantivemos mergulhados como apaixonados seres sargaços largados às correntezas inchados de uma gravidez de ternura alimentando as imagens de um sonho em que seríamos a aventura e nada além de nós que críamos o mundo e espantados com nossa beleza pensávamos estar nos vendo num espelho tendo a via-láctea por pano de fundo.

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