14.10.07

Aos deuses do teatro

Tive o privilégio, ainda adolescente, de assistir no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, entre outras tantas montagens, o gênio indomado, Paulo Autran, em Medéia, junto com outro talento, ainda em ação, Cleide Yaconis.
Ainda não atinava para o histórico dos dois, ou dele, que é de quem estou falando.
Mas ali, naquela representação, que para meus olhos ainda destreinados, inexperientes , sem criticas, que o tempo traz, me pareceu impressionante a força daquele homem, cruzando o palco vestido de soldado romano, Jasão, dizendo o texto, uma tragédia, me levando a viver o drama dos personagens, me marcando profundamente.
Anos depois, vindo ao Rio, numa viagem de férias, fui assistir no Teatro Adolfo Bloch, da extinta TV Manchete, O Homem De La Mancha.
Isto então foi uma festa para os sentidos.
Antes de entrarmos na platéia, havia uma exposição de quadros, uma coletânea, não lembro mais. Mas lembro de como os quadros eram iluminados, com holofotes que incidiam somente sobre o quadro, deixando a sala em volta envolta em penumbra.
O teatro, recém inaugurado, era de primeiro mundo, moderno, ao menos me pareceu, porque vinha de assitir funções, além de no neoclássico São Pedro, no porão que era o teatro de Arena de Porto Alegre e do outro, modernoso, que hoje se chama Teatro da Ospa.
O espetáculo, um musical, trazia ainda dois outros monstros do teatro, o baixinho, histriônico, gigante, Sancho, Grande Otelo, que Deus o tenha, e a ainda viva e multioperante Diva, ali Aldonza, Bibi Ferreira, que já tinha visto no inesquecível My Fair Lady.
E ele, Dom, enfrentando moinhos imaginários.
Com o tempo, fui me inteirando da trajetória deste homem, lindo espécime de macho, encantando a mulherada por onde passava, que viveu de e para o teatro.
Um deus dormiu lá em Casa, com Tônia Carreiro, os filmes e as dezenas de peças que se sucederam, as participações inesquecíveis nas novelas da televisão.
Enfim, fica aqui meu registro de que este homem não me foi indiferente. Aliás, fez toda a diferença.
Com seu ofício, fazendo rir ou chorar, emocionando, fazendo refletir, levando a outros mundos, ele construiu um mundo, que certamente ficará na história deste país, dito sem memória.
Numa carreira vitoriosa, valorosa, que poucos outros podem bater no peito e dizer eu fiz, porque se sabe das agruras, desventuras, da vida mambembe, sempre de pires na mão, de que o exercício dela obriga, ele levou, digno, a loucura sã, o bichinho que rói a todos que entram nesta, acompanhando mudanças fundamentais do país, aos palcos, aos corações e mentes de gentes de norte a sul.
Sessenta anos, é muito tempo, uma vida, a vida dele, dedicada a uma profissão ingrata, para poucos, privilegiados, cujo prêmio maior é o aplauso.
Aplausos, intermináveis aplausos, ovação, bravo Paulo Autran.
Merda para você nesta nova estréia.
Que os anjos te recebam bem e te conduzam ao lugar a ti reservado, o Olimpo dos Deuses.
E que teus pares, te ajudem a curar teu único, que eu saiba, defeito, o vício do tabagismo, que afinal, vencedor, te levou de nós. Mas, de uma coisa ou de outra, todos vamos, e se ele, o cigarro, te ajudou a construir o personagem, ficou nele, e agora, terminada a cena, desvestido o figurino, retirada a maquiagem, fechado o pano, apagados os holofotes, fica esquecido na minha lembrança, que guarda só o melhor de ti.

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